Depois
de ter visto O Primeiro Homem na Lua, e de ter gostado bastante, senti muita
dificuldade em escrever sobre o filme, apesar de ter lido vários artigos sobre
o livro (biografia autorizada) com o mesmo nome, escrito por James R. Hansen em
2005 (adaptado por Josh Singer, argumentista de Spotlight e The Post),
e ter visto um excepcional documentário produzido pela BBC em 2012, Neil
Armstrong: First Man on the Moon.
Li
também várias críticas portuguesas, inglesas e americanas, e fiquei a saber
alguma coisa sobre o making of, quase tudo, diga-se, em abono do filme.
Sobre
o homem, primeiro astronauta na Lua (a ordem e a escolha não foram arbitrárias,
obviamente), que conhecia por não gostar de falhar e experimentar sempre até
conseguir, fiquei a saber que nasceu em Cincinnati, Ohio (cidade Natal de um
certo produtor executivo chamado Steven Spielberg), no Midwest. Teve brevet de
aviador antes de ter carta de condução. A família mudou-se muitas vezes e
acabou por viver perto da cidade natal dos irmãos Wright, que eram os seu
ídolos. Alistou-se na Marinha para conseguir uma bolsa para a faculdade. Acabou
por ser piloto na guerra da Coreia, e quando foi desmobilizado, completou o
curso de Engenharia Aeroespacial. Foi piloto de testes e entrou no programa
espacial no segundo grupo, “The New Nine” (depois dos “Mercury Seven”).
Pausa
para narrativa do filme.
Depois
da missão Apolo 11, saiu da NASA e durante largos anos foi professor na
faculdade onde se formou e vivia numa quinta no campo. Foi sempre avesso a
exposição mediática, um homem reservado e que escolhia bem as palavras que
usava. Algumas pessoas catalogam-no como
recluso.
Sobre
o filme, que esperar de Damien Chazelle que nos brindou com Whiplash/Nos
Limites (2014) e La La Land /A melodia do Amor (2016, com direito a
Óscar para realizador)? Gostei dos dois filmes, de maneira muito diferente. São
sem dúvida filmes sobre obsessões e sacrifícios, tal como First Man.
First
Man é sobre superação e
sublimação, ou como face a um imenso conjunto de adversidades, se segue em
frente. E é um filme não sobre os anos 60 mas sobre 2018. Essa é a parte que
falha.
Neil
Armstrong (Ryan Gosling) é um homem reservado, mergulhado no trabalho para
esquecer (ou mastigar) a dor da perda da filha de 2 anos com um tumor cerebral.
Tem uma família, a esposa Janet (Clare Foy) e dois filhos, alguns amigos (os
astronautas Elliot See e Ed White), que morrem em acidentes violentos e
partilha cervejas e barbecues com os colegas.
Gosling
capta bem a essência da introspecção. Não se contorce com dúvidas, embora não
queira partilhar algumas dores com ninguém. A sua cara não é inexpressiva,
embora não seja sorridente. Sente-se alguma pressão, tensão e muito controlo.
As personagens “caladas” não são fáceis -
facilmente uma característica de personalidade pode ficar reduzida ao seu
cliché, coisa que li vezes sem fim. O carácter estoico, a frieza, a contenção
das emoções não são “uma ideia tradicional de masculinidade americana” (leia-se
nas entrelinhas, branca). São pura e simplesmente traços da natureza de um
homem simples do Midwest que conseguiu muito mais do que aquilo que sonhou, e
que talvez só peça um bocadinho de paz.
É
interessante como as cenas passadas na Terra, perto de casa, estão cheias de
barulho da natureza, da chuva ao canto dos pássaros. Por contraste, os big
booms estão cheios de barulho de máquinas (os foguetões, os foguetes, a
estrutura a abanar-como-que-a-desfazer-se).
E
é durante os big booms que nos fixamos intensamente na cara, nos olhos de
Armstrong, no espaço exíguo de um cockpit ou de cápsulas e o vemos também a ele
ser agitado, forçado no assento com ou sem gravidade, em todas as direcções,
como se estivéssemos ao lado dele.
Estamos
com Armstrong no jacto que salta a atmosfera, na cena que abre o filme (piscar
de olho a Os Eleitos), estamos com Armstrong, na Gemini 8, enquanto
dança a valsa (piscar de olho a 2001 Odisseia no Espaço) e enquanto gira
em velocidade sobre humana; estamos com Armstrong quando o Saturn V o empurra
para a Lua e ainda estamos com ele na alunagem. Estamos com ele do outro lado
do visor dourado que reflecte a superfície da Lua. Estamos com ele quando se
despede da filha.
E
agora 2018, para o melhor e o pior. Sendo filho da sua época é um filme
intensamente nostálgico, não só em relação à personagem, mas sim à era. Nós já
fomos ingénuos, simples, já conseguimos tanto só com uma pinguinha de hardware
e software. Nós já tivemos vontade de ir à Lua, nós já tivemos vontade de nos
vestir de cowboy ou de andar de baloiço. Agora é tudo complicado.
Daí
resultam coisas inesperadas, como a música. Armstrong gostava de Lunar
Rhapsody, onde entrava um instrumento que é melhor googlar, o teremim. Justin
Hurwitz, o colaborador mais regular de Chazelle, também o utilizou, criando
músicas que parecem de outro mundo (ou seja de filmes de outros mundos dos anos
50).
Outro
tópico 2018 – a dúvida. Terá valido a pena ir à Lua? Gastar dinheiro que
poderia salvar gente da pobreza, doença, fome e pestilência? Como dúvida, é
irritante. Cada vez que investirmos num ramo do conhecimento humano, estaremos
a desinvestir noutra coisa. Ainda outro tópico 2018 – um filme sobre um branco,
realizado e produzido por brancos. Insere-se Gil Scott-Heron perto do Cabo
Canaveral, cantando que só os brancos vão à Lua...
As
insistências 2018, por mais verdade que contenham em si, são vazias. A história
foi feita e nunca é perfeita. Não se ganha nada senão a indignação de todas as partes.
O
que me leva ao pináculo 2018: a ausência da bandeira americana na Lua, que fez
saltar e ufar senadores republicanos e o próprio Aldrin. Bem, a bandeira está
lá, não faz parte da acção central, e é de uma completa mesquinhez arranjar
teorias da conspiração com isso. Contudo o mal está feito. Muito 2018.
Resumindo:
é um filme tremendamente imersivo, que nos põe facilmente na pele de Armstrong
em todas os cenários fora da Terra. Sentimos a sua dor e o seu empenho e quem,
como ele, tiver uma costela introspectiva, percebe as suas reacções. Não deixa de ser estranho
contudo, que até num dos principais posters, seja a Lua a fazer as vezes de
vidro do capacete de Armstrong, como se ele estivesse permanentemente separado
de todos nós, hermeticamente selado pelos selenitas.
Pipocas extra: