sobre capitalismo,
desigualdade social e algumas utopias
Capitalismo
é uma palavra feia, mesmo que faça o mundo rodar. É um grande ismo cheio de si,
que parece atrair cifrões e outros ismos papões de sentido contrário, como
Socialismo e Comunismo.
No
fundo, é a economia de mercado que governa o mundo, desde que os meios e a
necessidade de produção em grande escala se tornaram rotina, com o advento da
Revolução Industrial, embora já tivesse sido ensaiado , em menor escala, a
partir do Renascimento, nas trocas comerciais entre Europa e Ásia, que
prosperaram no período de expansão ultramarina.
Não
sendo eu, tal como Fernando Pessoa, especialista em Finanças, mas apenas uma parte
interessada, relembro a definição clássica de Capitalismo: um sistema económico
e social baseado na propriedade privada dos meios de produção (e distribuição),
cujo objectivo é atingir lucro e acumulação de riqueza, através do trabalho da
classe trabalhadora ou assalariada.
Os
proprietários dos meios de produção tomam decisões em benefício próprio e fazem
investimentos nos mercados financeiros, e o preço e distribuição dos bens são
determinados pela concorrência e pela lei da oferta e procura.
Os
trabalhadores assalariados “vendem” horas do seu trabalho de modo a obterem
também uma pequena fatia de capital que vai teoricamente retro-alimentar o
mercado de consumo.
Não
é difícil percebermos vários problemas associados a este tipo de organização do
mercado: a ligação a um lucro (e acumulação) exponenciais, a limitação do
salário ou do emprego para obter esse mesmo lucro, as actividades paralelas nas
praças financeiras criando sistemas de concorrência desleais, cartéis ou
monopólios, o esgotamento das matérias primas e energia, a desigualdade
económica e social cada vez mais acentuada entre quem trabalha e quem manda
trabalhar, e entre países mais e menos
“desenvolvidos”.
As
teorias capitalistas de mercados livres não regulados surgiram após a Revolução
Francesa, a independência dos Estados
Unidos da América, e concomitantemente à Revolução Industrial. Os economistas e filósofos como Adam Smith e
Jean-Jacques Rousseau consideravam estes sistemas mais livres e democráticos.
Uma utopia.
Assim
como utópico foi sempre o conceito de igualdade. Herdámos sistemas sociais
presentes em muitos grupos de primatas, onde se observa uma hierarquia de
dominância, que determina quem tem direito a comer primeiro ou a acasalar e
produzir descendência.
Nos
tempos dos caçadores-recolectores não poderia haver muita discriminação, mas
assim que passámos a produzir, modificar e vender, a produzir excedentes e a
aprender a escrever, ao mesmo tempo que a população crescia (ainda a ritmo
lento), a clássica tríade social começou a tomar forma (clero, nobreza e povo).
Com
o mercantilismo de Quinhentos e a Indústria de Oitocentos, o clero e a nobreza
foram-se tornando cada vez mais irrelevantes e a burguesia, desde sempre ligada
ao comércio começou a longa escalada até ao 1% mais alto.
Tenho
para mim que a desigualdade existiria em qualquer sistema económico e político.
As experiências com a União Soviética e a China, mostraram que a almejada
distribuição equalitária dos lucros pelos proletários nunca segue o melhor
caminho, e o controlo total dos meios de produção pelo estado (agindo em nome
do proletariado) também é de uma grande ingenuidade totalitária.
O
sistema capitalista também é acusado de agitar a democracia, não só pelas
relações de realpolitik com países e organizações suspeitas, por mais um
punhado de dólares, como pelos fortes lobbies que tentam condicionar as forças
políticas (como certos donos disto tudo).
Não
é também um sistema isento de fragilidades e de falhas, com várias crises no
século XIX (que precisamente levaram Karl Marx a teorizar que o caminho do
capitalismo seria sempre o desastre), a grande depressão dos anos 30, a crise
do petróleo nos anos 70, ou por exemplo um ainda recente crash da bolsa,
decorrente da crise do sub-prime em 2007-2008.
A
economia mundial da aldeia global ressente-se, os governos tentam salvar as
grandes instituições financeiras, o desemprego aumenta com sucessivas falências
e os contribuintes (principal fatia da liquidez para o mercado e para os
impostos) são cilindrados no seu poder de compra (e no fundo, qualidade de
vida).
A
igualdade como direito e não utopia só cresceu como verdadeira força social
motivadora com a conquista do direito de voto pelas mulheres e a luta pelos
direitos civis (igualdade entre raças).
Os
governos (e os grandes grupos acumuladores de capital) tiveram de começar a ter
em conta que não basta pagar ao “proletariado” (agora divido por tantas
actividades), mas também proporcionar níveis de saneamento básico e habitação,
educação, saúde e justiça.
Mesmo
assim, apesar de assumido como a “norma”, o Capitalismo, para ser
tendencialmente mais equalitário e menos atreito a crises periódicas, necessita
de regulação, pelos seus pares, e pelos governos, nacionais, e talvez por mais
entidades externas independentes.
Não podem ser ultrapassados limites em que a
ganância joga com o capital que possui e com
que ainda está por imaginar. Nem que sejam permitidos lobbies que
controlem todas as forças políticas de tal modo que a democracia seja formatada
segundo interesses que não os da maioria.
Como
fazer isto? Escrevo este texto em plena black friday. E como disse, não
sou perita em economia. O poder dos consumidores não se resume a ocupar Wall
Street. Temos que começar a comprometermo-nos com aquilo que compramos.
Para já, se conseguíssemos acabar com estas épocas de consumismo forçado, seria
uma marca de distinção.
Pensar
fora da caixa, fazer compras conscientes
a nível local e menos nas grandes superfícies, em estabelecimentos com ligação
ao comércio justo (com ligações à sustentabilidade, direitos humanos, ecologia
e pequenas comunidades). Reciclar. Pensar nos custos ecológicos. Trazer a ética
ao nosso consumo, para que ela passe a ser necessária até para o 1% de topo.
Para
pensar: Comércio Justo