segunda-feira, 1 de abril de 2019

Army of me (publicado em Repórter Sombra a 29/1)

A palavra pessoa deriva do latim persona, que quer dizer máscara. Contudo, não uma máscara qualquer; prosopon, a raiz grega, refería-se à máscara ou face utilizada pelos actores no palco para revelar ao público a personagem e seu estado emocional.
Não deixa de ser irónica esta dualidade que chegou à era moderna, sobre o sentido do eu como indivíduo e, ao mesmo tempo, como a sua própria máscara, para os outros.
A personalidade será então a nossa máscara muito própria, um conjunto de características psicológicas (pessoais e intransmissíveis), que através de padrões cognitivos, emocionais e de comportamento, determinam a individualidade pessoal e social de alguém.
Traduz portanto um grande conjunto de processos organizados do nosso pensamento, com características consistentes e estáveis ao longo do tempo e, apesar de assentar em conceitos psicológicos, encontra-se intimamente ligada com o nosso restante organismo (como unidade biológica).
Se pensarmos  em neurónios, sinapses, neurotransmissores (moléculas que modelam a transmissão de sinais nervosos) e em toda a estrutura biológica implicada nas bases do funcionamento cerebral, parecer-nos-ia fácil aceitar uma programação genética como base para vários processos mentais.
A verdade é que, do ponto de vista científico, até hoje, apenas se conseguiu provar uma relação genética directa com algumas doenças degenerativas e com graves perturbações do funcionamento cerebral.
E apesar de se terem empiricamente definido alguns “traços” de personalidade (“temperamentos”) que podem estar associados a diferentes expressões de neurotransmissores (extraversão, amabilidade, responsabilidade, estabilidade emocional e abertura a novas experiências), certo é que não há ligação genética que preveja esses traços.
Por outro lado, surge a teoria epigenética -  não há “nature” sem “nurture”, ou seja é o próprio ambiente que vai ser determinante para a expressão genética (leia-se o ambiente celular, o ambiente no organismo, e em última medida, o ambiente externo que os condiciona).
 Sabe-se também que, apenas para determinar a quantidade de um neurotransmissor, é necessária a expressão conjunta de vários genes, sendo a relação causa-efeito muito mais difícil de prever.
Concluímos então que o ambiente é fundamental para estruturar a nossa personalidade.
Pensemos no ser humano, um animal social e com grande avidez de conhecimento. Na infância, a sua casa (o seu lar), a sua família (mãe, pai, irmãos), os afectos, vão ser determinantes. As tradições e histórias que a família passa de geração em geração. Os valores culturais e morais que prezam. Os seus credos e leis.
As crianças tendem a mimetizar o comportamento dos adultos à sua volta. A criar o mesmo tipo de relações sociais. Nestes últimos anos, a fase pré escolar e escolar já é sobreposta a uma outra fase, a da relação com elementos não humanos que produzem entretenimento ou informação (tablets, computadores, etc). De que modo influenciará as gerações futuras?
O ambiente da escola, a socialização, os amigos e os tempos livres. O lugar onde vivemos e as coisas com que aprendemos a sonhar. A nossa personalidade abarca tudo isso.
Na idade adulta, o trabalho, a sociedade (e como apêndice, as redes sociais) influenciam o nosso conceito de normalidade ou de padrão desviante, o sentimento de pertença a grupos ou clubes, a liberdade ou a pressão de pensar (ou não )no futuro. E escolher que “máscara” representar para os outros.
A minha máscara, o exército de mim, é um exército de todos.

Pipocas e distorção da realidade/personalidade:
Army of me (1995)/Bjork (Sucker Punch, 2011)

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