(11.6.2001,
Indiana,USA)
"Eu
sou o dono do meu destino
Eu
sou o comandante da minha Alma"
William
Henley
1992-
discurso de tomada de posse, Nelson Mandela
2001- últimas
palavras de Timothy McVeigh
Diz-se que durante o seu
transporte para a cela da morte, McVeigh pediu para parar e olhar a
lua e as estrelas. Diz-se que o seu último desejo foi um jantar de
gelado de chocolate com hortelã-pimenta.
Diz-se que o
diabo branco americano morreu, que a pena se cumpriu. Se se fez
justiça ou não, cabe a cada cabeça, muitas achando demasiado
brando o método que o recambiou para as chamas ardentes, algumas
rezando pela sua pobre alma ("temos que lhe perdoar, só assim
ficaremos livres").
A caridade cristã
norte-americana patrocinou um circuito fechado de TV para as vítimas
e familiares de vítimas do atentado de Oklahoma que não tiveram a
suprema felicidade de ser sorteados juntamente com alguns jornalistas
poderem assistir em directo, embora não in loco, aos 7 minutos e
meio de uma morte há muito anunciada.
Diz-se que a vida
imita a arte, a arte imita a vida; esta foi a Parte 1: "Dead Man
Walking" de Tim Robbins, com Susan Sarandon e Sean Penn. Ainda
se ouve Bruce Springsteen ao virar da esquina, quando os médicos e
os guardas prisionais regressam a casa.
Descrição:
McVeigh é amarrado a uma maca, seguem-se 3 injecções: 1ª, um
sedativo, que prepara o organismo para não reagir, não haver aquela
luta puramente animal, desenfreada e inconsciente, reflexo de
sobrevivência que cai mal na CNN; 2ª, cloreto de pancurónio,
derivado do curare, paralisa toda a musculatura esquelética,
incluindo o diafragma daí resultando paragem respiratória
(asfixia); 3ª, cloreto de potássio, provoca interferência na
condução cardíaca, desregulando-a, levando à paragem.
Em 7
minutos e meio, paragem cardio-respiratória forçada. Não há
reanimador na sala da morte, embora, em circunstâncias normais,
qualquer doente nestas condições tivesse que ser imediatamente
reanimado (no Juramento de Hipócrates, nunca diz para matar o
próximo). Em circunstâncias normais, médicos especialistas teriam
que esperar 48 horas para confirmar a morte cerebral, segundo
apertados critérios.
"The
Green Mile", baseado numa novela de Stephen King, leva-nos aos
anos 30, tempo da "old sparky" (literalmente velha faísca),
cadeira eléctrica cuja voltagem fazia apagar as luzes da vizinhança
quando em utilização.
Timothy McVeigh desistiu por moto próprio
da panóplia de recursos a tribunais, pedindo clemência. Decidiu não
passar o resto da vida a esperar; assim, soube o tempo que lhe
faltava viver.
Até o pedido do Papa caiu em saco roto
aos pés do júnior e oligofrénico Bush. A Democracia baluarte dos
valores do mundo moderno soçobrou à justiça olho por olho, dente
por dente. Mostra bem a desagregação de um país onde os alunos do
secundário praticam tiro ao alvo com os colegas e professores,
tentando depois um harakiri estilo Pokemon. O país onde o
anquilosado Charlton Heston clama por armas para todos. O país onde
"pessoas normais", como o nosso vizinho da frente, perdem a
cabeça e se tornam serial killers no McDonalds da esquina (será a
BSE?).
O problema de McVeigh não era ter tendências de
extrema direita, mas ser inteligente, ter formação militar (sendo
até condecorado), e, sobretudo, ser um verdadeiro WASP. Nenhum
americano lhe perdoa o facto de, com premeditação, ter agido como
terrorista em próprio solo americano, destruindo um edifício
federal como um castelo de cartas.
Se não fosse
americano, era devolvido à precedência, e faziam-se umas manifs de
vez em quando em frente à Casa Branca. Sendo americano, abriu uma
ferida que não estanca no orgulho americano, no patriotismo sem
limites e na paranoica caça às bruxas que inconscientemente
defende os cidadãos americanos dos seus colonizadores europeus.
No
filme "XFiles-Fight the Future", acharam a ideia de McVeigh
tão boa que a recriaram em Dallas. Teoria da conspiração? O FBI
nem sempre foi conhecido pelas suas virtudes, antes pelo seu poder
velado.
Servindo uma vez mais de advogada do diabo (nunca
pretendo pôr em causa a culpabilidade de McVeigh), o nosso
terrorista é o típico introvertido e pacato cidadão com uma
educação militar de códigos morais rígidos (quem mata quem em
"American Beauty"?), que eventualmente chega a um ponto de
colisão com o sistema, de não retorno ("Um dia de raiva",
excelente desempenho de Michael Douglas), em que todos os mecanismos
se dirigem para um objectivo concreto e a própria ideia de vida
(própria e dos outros) se relativiza e secundariza até deixar de
existir como tal. Segue apenas um comando, tal como a massificação
da sociedade o moldou.
As reacções emocionais
assoberbadas pelo aparentemente frio e contido nemésis americano na
sua entrevista ao "60 minutes" não permite julgamentos
livres de preconceitos. Pessoalmente, não descobri uma mente
intuitivamente criminosa, um pavão preconceituado neo-nazi como o
pintaram. Perpetrou um acto terrorista contra a Mãe de todas as
instituições, o estado americano, tendo morrido muitas pessoas
inocentes. Não se esquivou à responsabilidade. Estava preparado
para o crime e o castigo, como um soldado na frente de uma
batalha.
E assim perante o Deus que é citado nas notas de
dólar, e George W Bush, o tal senhor que parece que é presidente
dos EUA mas não tem bem a certeza, Timothy McVeigh olhou para a
câmara de televisão estrategicamente colocada no tecto, olhos fixos
do efeito do sedativo…
…Aquele que já morreu vos
saúda.
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